sexta-feira, 19 de maio de 2006 às 19:48

João Gilberto - Millenium: fazendo milho virar pipoca

Lembro como se fosse hoje. O ano era 1999, eu então com 18 anos assistia ao Jornal Hoje da Rede Globo. Uma rápida reportagem sobre um músico chamou minha atenção. Na inauguração de uma badalada casa de espetáculos em São Paulo, esse artista interrompeu sua apresentação para reclamar do eco que o ar-condicionado fazia no ambiente. Ninguém escutava esse eco, só ele. A platéia não pensou duas vezes. Soltou uma sonora vaia. A resposta veio sem titubear: "vaia de bêbado não vale, vaia de bêbado não vale". Na hora soltei aquele sorrisão e me tornei fã daquele velho ranzinza.

O músico em questão é João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira, o pai da Bossa Nova. Esse baiano que agora em junho completará 75 anos é, na minha opinião, o maior músico vivo do Brasil. O que mais gosto em João Gilberto é o jeitinho malandro de cantar sussurrando, como se não tivesse "nem aí" se as pessoas estão ouvindo ou não sua voz. Passei minha adolescência viciando meu ouvido ao som pesado do Hard Core e Techno, escutar João Gilberto é um exercício intelectual. Não pelas letras, que são bobinhos flertes de um playboy, mas pela drástica mudança de marcha que ocorre no cérebro. Uma quebra na correria do dia-a-dia.

João Gilberto é a cara da Bossa Nova, uma mistura sofisticada do samba com o jazz, tocado num violão acústico e cantada baixinho. Um som que parece vir da frecha de uma porta entreaberta. Na verdade, esse jeito de cantar é uma técnica bem sofisticada. Segundo João Gilberto, isso faz com que o tom fique uniforme, eliminando quase todo o ruído da respiração e outras imperfeições. Seu perfeccionismo beira a obsessão, alguns falam que o compacto de "Chega de Saudade" levou dias para ser gravado graças às interrupções freqüentes de João, sempre insatisfeito com ruídos ou erros que só ele ouvia.

O álbum Millenium, lançado em 2005, reuniu seus 20 maiores sucessos. O disco começa com "Eu Vim da Bahia", um grito saudosista de saudade. Em "Palpite Infeliz" João faz uma homenagem ao Rio. Só não gostei do som orquestral que prejudicou bastante a melodia. Na faixa três Astrud Gilberto [esposa de João] faz uma participação cantando a internacionalmente conhecida "Girl From Ipanema", o maior clássico da Bossa Nova. O sucesso dessa interpretação tornou Astrud um nome proeminente no jazz americano, fazendo-a iniciar sua carreira solo.

A música quatro é "Sampa", que eu adoro, mas na voz do Caetano Veloso. Na versão de João Gilberto com seu estilo narrativo, sem pausas, achei um pouco estranho. Não gostei. A música seguinte é "Vivo Sonhando" com Tom Jobim. O som leva a um universo marginal, um romântico perdido na multidão. Destaque para o sax, que mata a pau.

"Besame Mucho" é um dos melhores casamentos que já vi entre um intérprete e uma música. Uma triste história latina. Outro som bem famoso é a faixa "Corcovado (Quiet Nights of Quiet Stars)". João pede um cantinho, um violão, um amor, uma canção, para fazer feliz a quem ama. Para mim essa é a música que mais resume João Gilberto. Um boêmio que quer a vida sempre assim, tranqüila e ao som de seus acordes. O disco termina com "Desafinado", que acredito ser a música mais famosa cantada por ele.

Louco? Chato? Excêntrico? É provável que sim, mas depois alguns acordes... até o milho que corta o joelho vai se tornar macio feito pipoca. Nota 3/5
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